segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Traumas – Parte I

Acho que a gente só se recorda muito bem das coisas que nos traumatizaram.
De outra forma por que eu me lembraria do meu longínquo primeiro dia de aula, lá na época dos meus 5 anos? Por que eu teria essas lembranças tão vivas?
Me refiro a traumas não como coisas ruins, mas como coisas que marcam profundamente. Se para o bem ou para o mal, depende exclusivamente das nossas reações frente à situação.
Eu lá sentadinha e de repente minha mãe sumiu! Logo na hora que eu tinha conseguido relaxar um pouco e até construí uma linda casinha...”- Olha só, mãe, o que eu fiz...” E cadê ela? Cadê ela na hora de ver meu maravilhoso feito?? Muitas e muitas lágrimas...E a professora ainda disse pra eu parar de chorar porque ia dar dor de cabeça em mim e nas outras crianças (que se danem as outras crianças, ora! Eu perdi minha mãe....e ela me deixou no meio de um monte de gente estranha...). Tudo bem, apesar de não ter sido nada bom, eu não a culpo pela sua falta de profissionalismo nesse momento. Ela já tinha tentado várias coisas, mas eu não dava sossego. Disse que eu ia fazer as outras crianças chorarem também...e estava todo mundo calminho, feliz, brincando. [Agora estou pensando uma coisa...Por que raios eles estavam bem? Não era o primeiro dia de aula deles também não? Estranho...talvez eles tivessem feito maternal...mas eu já entrei no primeiro período, apressada como só eu!] Minha mãe, sem nem saber, inaugurou nesse dia um medo em mim. Como eu vou confiar nas pessoas sabendo que se eu olhar pro outro lado, quando eu voltar a cabeça elas podem ter sumido? Se minha mãe, a pessoa em que eu mais confio fez isso...qualquer um pode fazer também.
Depois tem também o episódio do feijão. Eu não gostava de jeito nenhum de comer aquela coisa horrorosa cheia de caroços...só o caldo ainda passava...com desagrado, mas passava. Meus irmãos, bem mais velhos do que eu estavam na adolescência, época de espinhas. Como eu sempre quis estar mais perto deles, me sentir mais igual, mais irmã mesmo, eu decidi que queria ter espinhas também. (Pobre de mim!) Minha mãe, muito espertamente, resolveu unir as duas coisas:
“- Minha filha, feijão dá espinha, principalmente os caroços. Você não quer ter espinhas? Então coma feijão!” E lá fui eu, ingenuamente pra variar, comer o tal do feijão. E nada das espinhas aparecerem. Mas...sem problemas também, com o tempo eu até aprendi a gostar do tal do feijão (esse foi o lado bom). O lado ruim mesmo foi quando minha mãe me julgou mais esperta do que eu era. Acho que ela pensou que eu não tinha acreditado naquela história absurda...Então, sem ver nenhum problema em falar isso na minha frente, contou pra minha tia como tinha feito pra eu começar a comer feijão. E ainda falou caçoando de mim, vê se pode?!! Mas também...com razão! Que tipo de pessoa acreditaria nisso? Eu. Eu criança então....acreditei mais ainda. Vindo da minha mãe....acabou, era mais do que se Deus se materializasse e falasse comigo. (Mesmo ela tendo me abandonado na escolinha. Ela me buscou depois e a gente fez as pases!) Ela mentiu pra mim, me enganou...Ai ai! Mais um medinho pra lista?!!
Eu fiquei pensando nisso hoje depois de uma conversa sobre o primeiro dia de aula das crianças. O que fazer, como proceder... [”- Deixa uma coisa sua com ela, aí ela sabe que você vai voltar pra pegar!” “- Nossa, então vou deixar a chave...” “- Nada, deixa uma calcinha!!”(risos)] Que coisa, as crianças acham que vão ser abandonadas pelas mães... Eu não sei se eu pensei isso. Mas eu estava no meio de um monte de gente que eu nunca tinha visto antes, um monte de gente que ficava sorrindo pra mim, querendo que eu gostasse deles. Eu sei que insisti pra ir pra aula, mas era também por que meus irmãos iam...Será que não dava pra eu ir com eles não?! “Esse lugar estranho, mãe? Você nem conhece eles direito e vai me largar aqui assim? Depois de me falar tanto pra não conversar com estranhos nem ficar sozinha em lugares que eu não conhecesse?!” Assim a educação vai toda mesmo por água abaixo! A gente geralmente esquece que as crianças estão descobrindo o mundo e que qualquer coisa que escutarem será a verdade eterna. Até que alguém, covardemente, desvende um mentiroso confiável e as faça perder o chão.


*Para deixar bem claro, apesar de não concordar com algumas coisas na minha educação - como qualquer um, aliás -, eu continuo amando minha mãe, e esses traumas contribuíram para que eu fosse o que sou, seja isso bom ou ruim. O fato é que não sei se eu, no lugar dela faria melhor, nem mesmo se faria diferente. Fato mesmo é que mãe é mãe...e mesmo fazendo milhares de coisas erradas, a gente continua amando. (Essa fala é para os filhos e não para as mães de repente acharem que podem fazer qualquer coisa!!). Mãe, te amo! =D

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